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TITULARIDADE DOS CRÉDITOS CEDIDOS À COMPANHIA SECURITIZADORA

Por: Eduardo Bertola e Lucas Stalbaum de Liz

Introdução:

A apreensão sobre a titularidade dos créditos cedidos à securitizadoras não é um questionamento incomum, contudo, não há razão para essa preocupação. Apesar de a companhia securitizadora adquirir os direitos creditórios para emitir os valores mobiliários respectivos (como debêntures) aptos a investimentos, ela estritamente provê o meio para que investidores acessem esses títulos, proporcionando liquidez e rendimento ao mercado.

Para isso, cada emissão de valor mobiliário realizado pela companhia securitizadora conta com um patrimônio separado, destinado exclusivamente ao recebimento dos créditos e o pagamento aos investidores. Em outras palavras, enquanto a securitizadora detêm a titularidade formal dos créditos através da cessão dos recebíveis, os investidores dos valores mobiliários detêm a titularidade econômica do mesmo, através da remuneração que resulta da emissão.

Nesse sentido, a estruturação de patrimônios separados na emissão de valores mobiliários propicia à securitizadora estrutura uma operação em que investidores possuam a segurança jurídica e regulatória, entregando a estes um título efetivamente comercializável com o suporte técnico respectivo.

O que faz uma securitizadora?

Securitizadora é uma companhia responsável por adquirir os direitos creditórios (como duplicatas, financiamentos ou aluguéis) de empresas originadoras e os converter em títulos comercializáveis — por exemplo, debêntures — para ofertar a investidores, antecipando recursos para o cedente do crédito e transferindo aos investidores o risco de crédito e o direito aos recebíveis.

Essa operação funciona como uma “venda do fluxo de caixa” de uma empresa, fazendo sentido tanto para aqueles que desejam receber investimento para financiar determinada operação, obter capital de giro, quitar dívidas ou até investir em sua produção, como para investidores que desejam diversificar a sua carteira com ativos que tenham uma recorrência, mínima previsibilidade de recebimento e baixa possibilidade de inadimplemento. Veja o que o Marco Legal da Securitização (Lei nº 14.430 de 2022) apresenta sobre o tema:

Art. 18, parágrafo único: É considerada operação de securitização a aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam.

Para garantir a proteção dos investidores, a securitizadora institui, para cada emissão, um patrimônio separado, administrado em conta específica, de modo que os ativos sirvam unicamente para honrar os títulos emitidos. Embora formalmente detentora dos créditos (via cessão fiduciária ou onerosa), a securitizadora não incorpora tais direitos ao seu patrimônio comum, o que, em última análise garante uma operação mais segura aos investidores. A securitizadora, neste aspecto, não atua como garantidora do pagamento, limitando-se à função de prestadora de serviços fiduciários e gestora da operação, sem obrigação de compensar eventuais inadimplementos desses recebíveis.

Então, quem é o detentor desses créditos?

Não é raro os investidores ficarem em dúvida sobre a titularidade e qual o nível de ingerência que a securitizadora teria sobre esses créditos, o que é totalmente justificável, haja vista que tratamos de uma operação financeira não convencional e muitas vezes restrita a investidores qualificados. Por isso, precisamos analisar o que o Marco Legal da Securitização dispõe.

Esse Marco, visando trazer segurança aos investidores, instituiu o regime fiduciário para as companhias securitizadoras, determinando que administrem cada operação securitizada com patrimônio separado, com registros contábeis independentes em relação a cada um deles, com a obrigação de elaborar e publicar as demonstrações financeiras e, inclusive, permitindo que tais aspectos sejam implementados através da estruturação de subsidiárias integrais da securitizadora controladora.

Desse modo a securitizadora adquire formalmente os créditos cedidos pelo originador, mas apenas para lastrear a emissão de títulos junto ao mercado, sem incorporar tais ativos ao seu patrimônio comum. inclusive, de maneira clara, o artigo 27 desse Marco apresenta que esses direitos de crédito adquiridos sequer constituirão o patrimônio da securitizadora, sendo resguardados apenas aos investidores, veja:

Art. 27. Os direitos creditórios, os bens e os direitos objeto do regime fiduciário:

I – constituirão patrimônio separado, titularizado pela companhia securitizadora, que não se confunde com o seu patrimônio comum ou com outros patrimônios separados de titularidade da companhia securitizadora decorrentes da constituição de regime fiduciário no âmbito de outras emissões de Certificados de Recebíveis;

(…)

IV – não responderão perante os credores da companhia securitizadora por qualquer obrigação;

V – não serão passíveis de constituição de garantias por quaisquer dos credores da companhia securitizadora, por mais privilegiados que sejam; e

VI – responderão somente pelas obrigações inerentes aos Certificados de Recebíveis a que estiverem vinculados.

Ainda, cabe o destaque à Resolução nº 60 da CVM, em que é taxativa ao exigir a abertura de conta específica para cada emissão e a instituição do regime fiduciário, vedando a utilização dos recursos provenientes para quaisquer fins diversos do que o pagamento aos investidores:

Art. 37. Os recursos oriundos dos recebimentos dos direitos creditórios que lastreiam os títulos de securitização emitidos devem ser depositados diretamente em conta de depósito à vista ou conta de pagamento autorizada e supervisionada pelo Banco Central do Brasil de titularidade da companhia securitizadora, aberta exclusivamente para cada emissão, e que deve contar com a instituição do regime fiduciário, se for o caso.

Portanto, a norma jurídica estabelece que a securitizadora deve manter seu patrimônio segregado daquele que lastreia os títulos de dívida ofertados ao mercado, haja vista que títulos creditícios se destinam exclusivamente ao rendimento dos investidores. O instituto do patrimônio separado garante a separação integral dos direitos creditórios adquiridos pela securitizadora, assim, tanto a CVM quanto a própria Lei determinam que deve haver uma distinção clara entre o patrimônio — e a ingerência — da securitizadora e dos investidores, podendo ser realizada através de divisões dentro do balanço da própria securitizadora controladora, ou, via constituição de subsidiária integral da securitizadora controladora, que naturalmente terá essa segregação de patrimônio e maior segurança regulatória, jurídica e administrativa.

Embora a cessão de créditos seja formalmente feita à securitizadora (conforme arts. 286 e seguintes do Código Civil), a titularidade econômica das receitas advindas desses créditos pertence aos investidores que subscrevem os títulos emitidos. Na prática, os investidores recebem principal e juros na proporção de suas subscrições, e o risco de eventual inadimplemento recai integralmente sobre eles, e, conforme explicado pela ANBIMA, “(…) Por outro lado, é importante entender que o risco de crédito é do investidor” (min. 3:56–4:06). A securitizadora, portanto, desempenha função de gestora fiduciária, sem obrigação de compensar perdas de sua esfera patrimonial comum.

Exemplo Ilustrativo:

Imagine uma emissão de R$ 100 mi em debêntures lastreados em recebíveis de operações de transporte e logística. Se ocorrer inadimplemento de 10% desses créditos (R$ 10 mi), esse montante de déficit será absorvido diretamente pelos investidores na proporção de suas subscrições, sem qualquer chamada de recursos ao patrimônio comum da securitizadora. De igual modo, os rendimentos desses recebíveis serão destinados somente aos investidores.

Conclusão

A combinação da Lei 14.430/2022, Resolução CVM 60/2021 e a prática de mercado, evidenciam que, apesar da cessão formal dos créditos à securitizadora, a titularidade econômica do crédito permanece com os investidores. O patrimônio separado, regido por regime fiduciário, isola completamente os ativos lastro do patrimônio comum da securitizadora, resguardando os interesses dos detentores dos títulos que representam o investimento em crédito. Esse modelo robusto e transparente proporciona segurança jurídica e clareza sobre papéis e riscos, oferecendo tranquilidade aos investidores quanto à efetiva segregação e proteção de seus recursos.

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