Por: Luan Fellipe dos Santos e Tathiany Barbosa
A governança corporativa, tradicionalmente associada a grandes corporações, tem se mostrado cada vez mais relevante para organizações de todos os portes e setores, incluindo os escritórios de advocacia. Este movimento reflete uma transformação significativa na forma como os serviços jurídicos vem sendo estruturados e geridos, respondendo às crescentes demandas por transparência, integridade e eficiência.
A governança corporativa pressupõe um conjunto de princípios, normas, estruturas e processos que orientam a forma como as organizações são conduzidas e supervisionadas, com o objetivo de gerar valor sustentável para a empresa, seus acionistas e a sociedade como um todo (IBGC, 2023).
No contexto específico da advocacia, a implementação de práticas de governança enfrenta particularidades relacionadas à natureza da atividade jurídica, que tradicionalmente se estruturou em modelos de gestão centrados nos sócios fundadores, resistência à mudança e confusão entre as esferas de propriedade e gestão (BOLOGNESI, 2020).
A formação técnica dos advogados tradicionalmente não contempla competências administrativas, o que, em muitos casos, gera lacunas na gestão dos escritórios (BOLOGNESI, 2020). A falta de estrutura formal, definição clara de responsabilidades e planejamento estratégico compromete a eficiência e a sustentabilidade dos escritórios de advocacia.
No entanto, a crescente complexidade das relações, o aumento das exigências por transparência e responsabilidade, bem como a evolução do setor jurídico — marcada por fusões, internacionalização e maior competitividade — têm impulsionado a busca pela profissionalização da gestão e pela adoção de boas práticas de governança, especialmente porque os escritórios de advocacia estão expostos a riscos semelhantes aos enfrentados por empresas privadas em geral (OAB/CAMPINAS, 2020). A implementação de práticas de governança corporativa propõe a superação desses desafios, adaptando princípios empresariais à realidade do setor jurídico.
Inicialmente, o emprego de valores e princípios éticos nas empresas tinha como principal objetivo resguardar os interesses dos sócios, prevenindo fraudes, abusos por parte da administração e conflitos de interesse entre os agentes de governança (Maruch, 2009).
Nos debates atuais, a ética empresarial estende-se para além dos limites organizacionais, abrangendo um leque bem mais diversificado de partes interessadas, incluindo colaboradores, fornecedores, clientes, comunidades, o meio ambiente e a sociedade em geral (IBGC, 2023).
A governança corporativa, fenômeno que conjuga elementos mercadológicos e jurídicos, visa introduzir práticas mais democráticas na administração das empresas, por meio da adoção e implementação de uma nova mentalidade dentro das corporações (Maruch, 2009). Portanto, a governança revela-se como instrumento a serviço das empresas, a fim de possibilitar a adoção de condutas alinhadas com a ética, a transparência e o respeito aos acionistas minoritários, ao mesmo tempo em que consolida a reputação institucional perante o mercado (IBGC, 2023).
Portanto, essa ferramenta não deve ser compreendida como um conjunto de regras rígidas ou formalidades burocráticas, mas como um modelo que fundamenta a cultura organizacional e orienta a condução dos negócios com base nos princípios da transparência, equidade, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa. Mais do que um diferencial competitivo, a adoção de boas práticas de governança tornou-se uma exigência frente a um ambiente cada vez mais complexo, dinâmico e interdependente. Ignorar essa realidade pode resultar em conflitos internos, fragilidade nos processos decisórios, perda de talentos e impactos negativos sobre a reputação e a sustentabilidade da organização.
Por isso, é cada vez mais importante que os escritórios organizem sua gestão de forma clara e participativa, com definição de papéis, responsabilidades e formas de acompanhar e avaliar as atividades. Mesmo que, em um primeiro momento, essas práticas pareçam burocráticas — especialmente para escritórios pequenos e médios —, a experiência mostra o contrário: quando bem implementada, a governança ajuda a aumentar a eficiência, traz mais segurança nas decisões e fortalece a estrutura do escritório.
Nesse processo, três pilares se destacam como essenciais para a construção de uma governança eficaz: pessoas, processos e estrutura. O primeiro envolve o compromisso dos sócios e da equipe, com uma liderança que comunique com clareza os objetivos e valores do escritório. Os processos devem ser desenhados com foco na objetividade e bem coordenados entre as áreas, para garantir que as tarefas fluam com controle e organização. Por fim, a estrutura organizacional precisa ter boas bases: acordos bem elaborados entre os sócios, comitês de gestão, canais formais de decisão e prestação de contas. Isso tudo oferece uma base sólida para o crescimento sustentável.
Desta forma, a adoção da governança corporativa em escritórios de advocacia contribui significativamente para o fortalecimento da reputação institucional diante de clientes e parceiros, a mitigação de riscos jurídicos e éticos, a profissionalização e o aprimoramento da gestão estratégica e da tomada de decisão, além de favorecer a atração e retenção de talentos. Representa ainda um passo essencial para preparar o escritório para processos de sucessão e para a construção de uma trajetória sustentável e perene.
BOLOGNESI, Lívia Alves Luz. Governança Corporativa Aplicada na Gestão do Escritório de Advocacia. Curitiba, 2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das melhores práticas de governança corporativa. 6ª ed. São Paulo: IBGC, 2023.
MARUCH, André. As principais práticas de governança corporativa adotadas no mercado brasileiro em face do mercado internacional: 1ª parte. Revista de Direito Econômico e do Mercado de Capitais. vol. 43. Jan. 2009.
OAB/SP. Manual de Governança e Integridade para Escritórios de Advocacia Unipessoal e de Pequeno e Médio Portes. São Paulo, 2023.
OAB/Campinas. Guia de Compliance para Escritórios de Advocacia. Campinas, 2020.
SILVEIRA, Alexandre Di Miceli da. Governança corporativa no Brasil e no mundo: teoria e prática. São Paulo: Elsevier, 2014.
__________. Governança Corporativa nos Escritórios de Advocacia. 2021. Disponível em: < Governanca-Corporativa-Nos-Escritorios-De-Advocacia.pdf>. Acesso em: jul. 2025.