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Smart contracts no Direito Contratual Brasileiro: enquadramento normativo, governança técnica e desafios de execução

Por:  Rafael Porto Lovato e Isabela Colaço Dorigo

Introdução

A automação de obrigações convencionadas por particulares por meio de código executável — os smart contracts — está deixando de ser curiosidade tecnológica para ocupar lugar estável na prática negocial brasileira.  

No Brasil, a validade e a eficácia desses instrumentos não dependem de lei “especial”: decorrem do regime geral de contratos do Código Civil e do princípio da autonomia privada, exercida nos limites da função social.

No entanto, em 11 de abril de 2024 foi apresentado o relatório final do anteprojeto de alterações do Código Civil, com a inclusão de um capítulo específico dedicado à celebração de contratos por meios digitais (BRASIL. Senado Federal, 2024).

Diante das alterações propostas, a aplicação dos smart contracts pode se tornar cada vez mais relevante.

Funcionamento e aplicabilidade

Smart contract se trata de um protocolo computadorizado que executa termos de um contrato, atendendo condições contratuais regulares, minimizando exceções maliciosas e acidentais. É, do ponto de vista jurídico, um negócio jurídico bilateral cuja execução é automatizada por software, usualmente executado em infraestrutura distribuída. O “contrato” continua sendo o acordo de vontades regido pelo direito privado; o “smart” qualifica o modo de execução.

Os contratos inteligentes usam a tecnologia Blockchain para complementar ou até substituir contratos existentes. Trata-se de uma combinação de códigos autoexecutáveis somada a linguagem jurídica tradicional, para os efeitos legais esperados.

As transações eletrônicas podem ter a sua execução automatizada sem intermediação humana, sem afastar o controle judicial e os limites da ordem pública contratual.

Utilização

Já existe um marketplace operado por meio de contratos inteligentes para a comercialização de produtos e serviços agrícolas no Brasil (PWC BRASIL, 2022). Ademais, o Banco BV iniciou estudos para utilização de contratos inteligentes em financiamento de veículos, a fim de transferir a propriedade dos veículos de forma segura e eficiente (VALOR ECONÔMICO, 2024).

Até mesmo no setor público foi realizado estudo para aplicação dos smart contracts. Como o Projeto Harpia, (COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ, 2023), para acompanhar os processos de aquisições públicas do Estado do Paraná e proposta de criação de um modelo de smart contract, pelo Poder Executivo do Estado de Santa Catarina, para entender o potencial do uso de blockchain para aprimorar a gestão e transparência das contratações (ROSA, 2024).

Ainda, ressalta-se um levantamento realizado pelo Tribunal de Contas da União, em que se constatou, que devido à natureza open source das principais plataformas que implementam uma rede blockchain, os órgãos governamentais podem realizar projetos-piloto para explorar a tecnologia de forma ágil e validar requisitos sem grandes investimentos (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2024). Na gestão de recursos públicos, soluções blockchain podem minimizar fraudes e aumentar a transparência.

Por fim, cabe destacar a criação do “Real Digital” pelo Banco Central, com o objetivo de criar uma moeda digital para o Brasil de uso extensivo ao real brasileiro, por meio da qual teremos uma visão futurista da possibilidade do uso de smart contracts no Brasil com uso da moeda corrente (BANCO CENTRAL DO BRASIL,2021).

Regulamentação de contratos digitais

De acordo com a professora Maria Helena Diniz, o contrato “é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial” (DINIZ, 2025). Nesse contexto, os smart contracts em rede Blockchain advém como uma forma inovadora de validar as regras estabelecidas entre as partes.

No direito brasileiro não há uma forma rígida para a elaboração dos instrumentos particulares, salvo em hipóteses defesas em lei. Essa flexibilidade decorre do art. 104 do Código Civil, que estabelece os requisitos de validade do negócio jurídico (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei), e do art. 425 do mesmo diploma, que admite a celebração de contratos atípicos.

Contudo, apesar das inovações apresentadas pelos contratos inteligentes, para a validade de todas as funcionalidades propostas, pressupõe-se os requisitos de um contrato usual, válido, para o direito brasileiro.

Nesse sentido, possuem a natureza de negócio jurídico bilateral, baseando-se nas declarações de vontades das partes. Logo, são contratos atípicos, desde que observados os princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato.

Portanto, nada obstante a ausência de dispositivo legal específico, é permitido o uso de smart contracts, uma vez que a legislação deixa uma grande lacuna a ser preenchida com inúmeras possibilidades contratuais.

Os smart contracts estão em estágio inicial  para possível criação de legislação específica para sua aplicação. Com isso, atualmente as leis que regem os contratos inteligentes são as mesmas dos contratos tradicionais.

Considerando, desse modo, a inexistência de norma jurídica que vede a celebração dos contratos inteligentes e que estes irão inovar o conceito de contratação no Brasil, será necessária a implementação de uma legislação específica para adequá-los.

Proposta de alteração do Código Civil Brasileiro

No contexto das inovações tecnológicas, o Senado Federal instituiu uma comissão de juristas, presidida pelo Ministro Luís Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça, para revisar e atualizar o texto do Código Civil Brasileiro/02. 

Em 11 de abril de 2024, foi apresentado o relatório final do anteprojeto de alterações do Código Civil, com a inclusão de um capítulo específico dedicado à celebração de contratos por meios digitais (BRASIL. Senado Federal, 2024). Recentemente, em 24 de setembro de 2025, o Senado Federal instalou a Comissão Temporária para Atualização do Código Civil, que analisará as alterações propostas pelo anteprojeto (AGÊNCIA SENADO, 2025).

Das diversas propostas trazidas, nota-se que a previsão do direito digital foi uma das principais inovações. Bucou-se fortalecer o exercício da autonomia privada, preservar a dignidade das pessoas e a segurança de seu patrimônio, bem como apontar critérios para definir a licitude e a regularidade dos atos e das atividades que se desenvolvem no ambiente digital.

O documento dispõe que as mesmas regras que regem os contratos celebrados por instrumentos particulares ou públicos também se aplicam à contratação feita em ambiente digital, atendidas as especificidades desse meio.

Além disso, dispõe que os contratos digitais são informais e não solenes, sendo celebrados quando as partes manifestarem claramente a sua intenção de contratar, podendo essa manifestação ser expressa por cliques, seleção de opções em interfaces digitais, assinaturas eletrônicas, ou outros meios que demonstrem claramente a concordância com os termos propostos.

Ademais, os smart contracts foram inseridos como uma subcategoria do capítulo dos contratos digitais, com conceituação própria.

Diante dos termos trazidos, foi proposta a regulamentação específica para os smart contracts, conferindo confiabilidade para sua aplicação, e para produção dos efeitos almejados.

Conclusão

Os smart contracts são concebidos pelo direito brasileiro, por meio dos dispositivos legais já vigentes, contudo, suas particularidades podem conferir insuficiência e inconclusividade à legislação nacional. 

Em razão disso, a análise dos instrumentos que dispomos hoje, de modo amplo, é imprescindível para regular os contratos inteligentes. Não obstante, o relatório final do anteprojeto de alterações do Código Civil de 2022 apresentou alterações e inclusões expressivas, especialmente, para a regulamentação do direito digital.

Logo, os smart contracts consolidam-se como uma realidade na sociedade brasileira, conferindo maior celeridade aos tramites contratuais. Com as novas tecnologias surgem desafios, exigindo do Poder Judiciário constante adaptação e sensibilidade para equilibrar inovação e segurança jurídica, de modo que a sociedade possa usufruir plenamente dos benefícios proporcionados pela tecnologia.

AGÊNCIA SENADO. Senado instala comissão para modernizar Código Civil. Senado Notícias. Brasília, 24 set. 2025. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/09/24/senado-instala-comissao-para-modernizar-codigo-civil. Acesso em: 21 out. 2025.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. BC apresenta diretrizes para o potencial desenvolvimento do real em formato digital, 2021. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/548/noticia. Acesso em: 21 out. 2025.

BRASIL. Senado Federal. Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, 2024. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9586171&ts=1713537886149&disposition=inline . Acesso em: 21 out. 2025.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Levantamento da tecnologia blockchain / Tribunal de Contas da União; Relator Ministro Aroldo Cedraz. – Brasília: TCU, Secretaria das Sessões (Seses), 2020 Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/59/02/40/6E/C4854710A7AE4547E18818A8/Blockchain_sumario_executivo.pdf. Acesso em: 21 out. 2025.

COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ. Com Harpia, projeto de inteligência artificial: Governo vai redobrar fiscalização de compras, 2023. Disponível em: https://www.cge.pr.gov.br/Noticia/Com-Harpia-projeto-de-inteligencia-artificial-Governo-vai-redobrar-fiscalizacao-de-compras. Acesso em: 21 out. 2025.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 3. 41.ª ed. São Paulo: Editora Saraiva Jur, 2025.

PWC BRASIL. Parceria entre Khalil NFTs e Binance traz marketplace de contratos inteligentes para o agro. PwC Brasil, 2022. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/consultoria/agtech-innovation/agtech-innovation-news/materias/2022/parceria-entre-khalil-nfts-e-binance-traz-marketplace-de-contratos-inteligentes-para-o-agro.html. Acesso em: 21 out. 2025.

ROSA, et al. Blockchain para aprimoramento da gestão e da transparência em contratações públicas proposta de um modelo de Smart Contract para o Poder Executivo de Santa Catarina. Disponível em: https://sbap.org.br/ebap/index.php/home/article/view/207 Acesso em: 21 out. 2025.

VALOR ECONÔMICO. Banco BV inicia testes para tokenizar financiamento de veículos. Valor Econômico, 04 abr. 2024. Disponível em: <https://valor.globo.com/financas/criptomoedas/noticia/2024/04/04/banco-bv-inicia-testes-para-tokenizar-financiamento-de-veculos.ghtml>. Acesso em: 21 out. 2025.


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