Integridade em Duas Frentes: Como o Sistema S Fortalece o Compliance Interno e Eleva o Padrão Ético de Seus Fornecedores
Por: Caroline Rodrigues
As Entidades do Sistema S vêm promovendo relevante aprimoramento de seus mecanismos de governança ao incorporarem, em seus Regulamentos de Licitações e Contratos, comandos normativos que elevam a integridade à condição de vetor estruturante de sua atuação institucional[1]. Essa incorporação normativa não se limita a ajustes procedimentais; representa a consolidação de um paradigma jurídico-administrativo em que a probidade, a transparência e a conformidade passam a orientar de maneira expressa as relações contratuais e o exercício das funções gerenciais dessas entidades paraestatais.
Nesse ambiente, o compliance assume centralidade. Tecnicamente entendido como o conjunto sistemático de mecanismos destinados a assegurar a conformidade da organização com o ordenamento jurídico, com normas internas e com padrões éticos de conduta, o compliance expandiu-se, no âmbito do direito público, para além de seu berço histórico no setor privado. Hoje, figura como instrumento indispensável à prevenção de ilícitos, à mitigação de riscos regulatórios e reputacionais e ao fortalecimento da accountability. Para entidades que administram contribuições parafiscais e que desempenham funções de relevante interesse socioeconômico, como é o caso das Entidades do Sistema S, o compliance configura verdadeira salvaguarda institucional, apta a assegurar a higidez da gestão e a preservação da confiança pública.
O compliance, portanto, deixou de ser apenas um mecanismo de proteção legal para se tornar uma ferramenta estratégica de gestão, diretamente conectada à ética, à reputação e à sustentabilidade das organizações.
Há muitos benefícios que podem ser citados, sobre a implementação de um sistema efetivo de compliance nas Entidades do Sistema S, dentre os quais:
- Prevenção de desvios e irregularidades: o compliance permite mapear e mitigar riscos legais, regulatórios, operacionais e reputacionais, fortalecendo os mecanismos de controle interno e evitando práticas que possam comprometer a integridade da instituição.
- Credibilidade perante a sociedade e os órgãos de controle: as entidades do Sistema S, por administrarem recursos de natureza pública, estão sob constante escrutínio do Tribunal de Contas da União, Ministério Público e sociedade civil. Um sistema de compliance eficaz contribui para a confiança institucional, demonstrando comprometimento com a integridade e a boa gestão.
- Fortalecimento da governança: o compliance está intimamente ligado aos princípios da boa governança, como transparência, prestação de contas e responsabilidade. Um sistema bem implementado fortalece os conselhos, diretorias e gerências na tomada de decisões alinhadas com os objetivos institucionais e o interesse público.
- Promoção de uma cultura organizacional ética: mais do que um conjunto de normas e procedimentos, o compliance deve ser parte da cultura institucional. Sistemas de integridade bem-sucedidos influenciam o comportamento dos colaboradores, parceiros e fornecedores, promovendo um ambiente de trabalho íntegro e responsável.
- Alinhamento estratégico e sustentabilidade institucional: o compliance não é um obstáculo ao desempenho, mas sim um facilitador. Ao garantir segurança jurídica e operacional, ele permite que as entidades do Sistema S concentrem esforços em sua missão de promover educação, capacitação profissional, fomento ao empreendedorismo, saúde, lazer e desenvolvimento econômico e social.
- Avanço institucional: a estruturação de um sistema de compliance vai ao encontro das expectativas sociais contemporâneas, reforça o compromisso com a boa gestão dos recursos, implementa políticas atuais e necessárias, ancoradas em temas essenciais, e contribui decisivamente para a perenidade e legitimidade dessas organizações perante a sociedade brasileira.
O compliance, portanto, é uma ferramenta estratégica essencial para transformar a cultura das instituições que a implementam e, em especial para as entidades do Sistema S, um instrumento para garantir que os recursos públicos sejam utilizados com responsabilidade, eficiência e ética.
A integridade, por sua vez, ocupa papel normativo e principiológico complementar ao compliance. Trata-se de conceito jurídico que expressa a necessária coerência entre normas, valores institucionais e condutas, funcionando como pressuposto ético-jurídico para a tomada de decisões lícitas e responsáveis. A integridade exige que a atuação institucional observe não apenas o estrito cumprimento da lei, mas também padrões elevados de moralidade administrativa, imparcialidade e adequação ética. Sua função é conferir densidade material ao princípio constitucional da moralidade, conformando a gestão a critérios de probidade, boa-fé, lealdade institucional e confiabilidade.
A implementação de um programa de compliance pelas entidades do Sistema S demanda metodologia estruturada e aderente às melhores práticas de governança pública. O primeiro elemento dessa estrutura é o compromisso da alta administração, cuja manifestação não possui apenas caráter simbólico, mas normativo. Sem a atuação inequívoca dos órgãos diretivos — conselhos, diretorias executivas e instâncias de assessoramento — não há como conferir efetividade às normas internas, nem tampouco assegurar o provimento adequado de recursos humanos, financeiros e tecnológicos indispensáveis ao funcionamento do programa. O comprometimento da cúpula institucional, nesse contexto, é pressuposto para a observância do princípio da eficiência, na medida em que permite que o compliance se converta em instrumento real de racionalização e segurança administrativa.
Em seguida, a adequada implementação exige a realização de diagnóstico minucioso. Essa etapa técnica compreende o mapeamento de riscos jurídicos, operacionais e reputacionais, a identificação de fragilidades procedimentais, a análise de controles existentes e a avaliação da maturidade institucional em matéria de integridade. Esse diagnóstico fundamenta a elaboração de políticas internas coerentes e orienta a priorização das ações do programa, evitando normativos redundantes, inefetivos ou desconectados da realidade operacional.
Posteriormente, impõe-se a consolidação do arcabouço normativo que sustentará o programa de compliance. Isso envolve a edição ou revisão do Código de Ética e Conduta, das políticas de prevenção a conflitos de interesse, de relacionamento com terceiros, inclusive a Administração Pública, de apuração de irregularidades, de consequências, das matrizes de riscos e dos instrumentos de controle interno. Esses documentos se revestem de natureza jurídica interna e vinculam todos os agentes envolvidos no processo decisório, razão pela qual devem ser precisos, exequíveis e compatíveis com as competências formais da entidade.
Outro eixo essencial reside nos mecanismos de detecção e resposta. Canais de denúncia efetivos, independentes e dotados de garantias de confidencialidade são elementos estruturantes de qualquer programa de integridade, pois viabilizam o acesso tempestivo a informações relevantes sobre potenciais irregularidades. Além disso, é imprescindível que existam procedimentos claros de investigação, dotados de imparcialidade, rastreabilidade e respeito ao devido processo interno, sob pena de se comprometer a legitimidade do programa e a credibilidade da instituição.
Ainda, a consolidação de uma cultura organizacional íntegra depende de ações educativas contínuas. O treinamento periódico de colaboradores, gestores e demais atores envolvidos na execução de projetos e ações das entidades é requisito essencial para a internalização dos valores éticos e jurídicos que fundamentam o programa de compliance. A ausência de formação adequada compromete a efetividade das normas internas e aumenta a incidência de condutas inadequadas por desconhecimento ou interpretação equivocada das regras aplicáveis. Por fim, acrescenta-se a necessidade de monitoramento constante do programa, com análise de indicadores de desempenho, medidas de controle e aperfeiçoamento, revisão da matriz de riscos e dos normativos internos.
A articulação entre compliance, integridade e governança aproxima as entidades do Sistema S dos padrões associados ao pilar “G” do ESG[2], entendido aqui como estrutura de governança corporativa voltada à transparência, aos controles internos e à responsabilização. O fortalecimento da governança ética atende às exigências contemporâneas de instituições mais responsáveis e alinhadas aos princípios constitucionais da moralidade e da eficiência.
Outra relevante diretriz concernente ao compliance e à integridade, é a inovação introduzida pelo Regulamento de Licitações e Contratos do Sistema S, especialmente por meio de seu artigo 22[3], que evidencia essa inflexão paradigmática ao admitir a exigência de implantação de programa de integridade pelos contratados. A norma, inspirada na racionalidade preventiva que permeia a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), o Decreto nº 11.129/2022, a Lei nº 14.133/2021 (Lei de Licitações) e os referenciais ISO 37001 e 37301, reforça a adoção de mecanismos robustos de integridade como condição jurídica apta a mitigar riscos de fraudes, desvios ou outras práticas lesivas durante a execução do contrato. Tal previsão reveste-se de especial relevância em contratações de grande vulto, elevada complexidade técnica ou significativo impacto institucional, nas quais o risco de assimetria informacional e de condutas oportunistas é tipicamente mais acentuado.
Para garantir eficiência e eficácia da exigência de integridade dos fornecedores, recomenda-se estabelecer os procedimentos e disposições específicas em normativo interno da Entidade.
Esse normativo pode contemplar, entre outros aspectos, disposições como:
- O valor que se considera, dentro das especificidades da Entidade, como sendo de grande vulto;
- A análise de alto risco ou de complexidade do objeto que podem igualmente demandar a exigência do programa de integridade;
- O que se define como programa de integridade;
- As informações mínimas que o Edital/contrato deve contemplar para conhecimento dos licitantes/contratantes, tais como, prazo para implementação, forma de comprovação da efetividade, meio de fiscalização, penalidades pelo descumprimento;
- Os parâmetros de avaliação do programa de integridade do fornecedor, tais como, o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos eventuais conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa, bem como pela destinação de recursos adequados; a gestão adequada de riscos, incluindo sua análise e reavaliação periódica, para a realização de adaptações necessárias ao programa de integridade e à alocação eficiente de recursos; a elaboração de matriz com os riscos a que está sujeita a pessoa jurídica, seguindo normas técnicas atuais; a existência de código de ética, políticas e procedimentos de integridade, com previsão de medidas disciplinares em caso de violação das regras de integridade; treinamentos e ações de comunicação e aculturamento periódicos sobre o programa de integridade e o código de conduta/ética; controles internos que assegurem a pronta elaboração e a confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiras da pessoa jurídica; independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e pela fiscalização de seu cumprimento; canal de denúncia de irregularidades independente, aberto e amplamente divulgado a funcionários e terceiros, e mecanismos destinados ao tratamento das denúncias e à proteção de denunciantes de boa-fé; ferramentas adequadas para a apuração e investigação de relatos de irregularidades; e, monitoramento contínuo do programa de integridade visando ao seu aperfeiçoamento na prevenção;
- Forma de apresentação e conteúdo de relatório de conformidade a ser apresentado pelo fornecedor para avaliação do programa;
- Possibilidade de avaliação por outros meios idôneos;
- Informação de que a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade, pode ser considerado como circunstância atenuante na aplicação da sanção administrativa contratual de suspensão do direito de licitar e contratar com a Entidade, conforme orientações internas.
Trata-se de um conjunto de obrigações que, embora aplicadas aos fornecedores, reflete diretamente sobre a matriz de riscos das próprias entidades, contribuindo para a redução da exposição a responsabilizações solidárias, prejuízos reputacionais ou paralisações contratuais decorrentes de ilícitos praticados por terceiros.
A integridade, portanto, assume função estruturante no modelo jurídico de gestão das entidades do Sistema S. Programas de compliance bem desenhados, aliados à cultura organizacional orientada por valores éticos e à adoção de práticas de governança responsáveis, constituem instrumentos indispensáveis para assegurar que os recursos públicos sejam geridos com probidade, regularidade e respeito ao interesse coletivo.
Outrossim, a inclusão da possibilidade de exigência de programas de integridade de seus fornecedores, traduz-se em um importante avanço, que beneficia as entidades e, principalmente, fortalece as relações com fornecedores, melhora a percepção social sobre a atuação do Sistema S, qualifica o ambiente institucional e contribui para a construção de organizações mais íntegras e capazes de entregar resultados duradouros. Integridade não é discurso; é prática diária para a construção de um ambiente organizacional juridicamente seguro, transparente e confiável. E, quando incorporada ao coração das contratações, das políticas internas e da cultura organizacional, transforma-se na força mais poderosa para assegurar confiança e perenidade institucional.
[1] Embora todos os RLC estabeleçam a integridade como princípio, a ABDI, o SESI e o SENAI não estabelecem as disposições sobre o fomento à integridade tratadas no presente artigo. A APEX também não estabelece essa categoria de fomento, mas dispõe sobre a análise da integridade do fornecedor no art. 2°, §2° e no art. 78.
[2] O ESG pode ser definido, de uma forma preliminar, como a aplicação de mecanismos, estruturas, políticas e procedimentos para orientar a implementação da governança socioambiental em uma corporação.
[3] No RLC do Sistema Sebrae esse artigo corresponde ao 24.


