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A REVOGAÇÃO DA INDISPONIBILIDADE DE BENS EM AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O ENTENDIMENTO DO STJ: PERSPECTIVAS PARA A MATERIALIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ACUSADOS.

Por João Pedro Teixeira Transmontano

No mês de fevereiro de 2025, o STJ firmou o Tema Repetitivo 1257, determinando que as disposições da Lei nº 14.230/2021, que reformou a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), em relação à medida de indisponibilidade de bens, são aplicáveis aos processos em curso, de modo que as indisponibilidades decretadas com base na antiga redação legal poderão ser reapreciadas de acordo com as disposições vigentes.

O entendimento da Corte Superior vai ao encontro da compreensão sobre o caráter precário das tutelas provisórias e à natureza processual das medidas de indisponibilidade de bens, de modo que as mudanças legais são imediatamente aplicáveis aos processos em curso, podendo a medida ser revogada a qualquer tempo, especialmente com o advento de nova redação legal.

Neste sentido, o art. 17, caput, da LIA, é claro ao dispor que a ação de improbidade administrativa observará as previsões do Código de Processo Civil (CPC) naquilo que não conflitante com as previsões específicas da LIA. Essa constatação, portanto, atrai a incidência do art. 14 do CPC, que consagra a aplicação do princípio do isolamento dos atos processuais[1], ao dispor que as normas processuais não retroagem e são aplicáveis imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.[2]

Especificamente quanto às alterações da LIA, Marçal Justen Filho ressalta que os dispositivos de natureza processual incidem de modo imediato, inclusive os processos em curso.[3] Mauro Roberto Gomes de Mattos, também destaca a adoção imediata da Lei de Improbidade Administrativa aos processos em curso[4], aplicando-se as novas disposições processuais a todos os atos ainda não praticados.

Referido entendimento, a priori, poderia conduzir à compreensão de que a medida de indisponibilidade de bens decretada anteriormente ao advento da Lei 14.230/2021 não poderia ser revista com base na nova redação legal, visto que seria evento processual consumado.

Não obstante, a medida de indisponibilidade de bens possui manifesta natureza cautelar[5], sendo uma medida de caráter provisório, criada para prevenir que o dano ou a devolução da vantagem ilícita se tornem irreversíveis durante o curso do processo[6], em razão de dilapidação patrimonial causada pelo réu.

Desta forma, enquanto medida cautelar, possui natureza provisória e precária, não se tratando de decisão definitiva ou consolidada, razão pela qual poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo no curso do processo, conforme dispõe o art. 296, caput, do CPC.

Assim, a medida de indisponibilidade de bens pode ser revista à luz das alterações legais realizadas pela Lei 14.230/2021, haja vista possuir natureza precária, de modo que os requisitos fáticos e legais para a sua manutenção devem permanecer os mesmos para que a medida se perpetue ao longo do tempo. Em outras palavras, inexistindo pressupostos legais para a sua manutenção, em razão da modificação da lei, a medida deverá ser revogada.

Neste sentido, inclusive, é o Enunciado nº 25 do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), ao prever que “Os pedidos de indisponibilidade de bens deferidos antes da entrada em vigor da Lei nº 14.230/21 podem ser reapreciados à luz dos requisitos previstos no artigo 16 da Lei nº 8.429/92, com fundamento nos arts. 14 e 296 do CPC.”

Assim, os réus em ação de improbidade administrativa que possuam bens indisponibilizados com base na redação antiga da lei podem procurar assistência jurídica especializada a fim de pleitear a revogação da medida, especialmente em razão das significativas modificações do regime de indisponibilidade de bens previstas no art. 16 da LIA, sendo estas:

  • Necessidade de demonstrar o perigo de dano irreparável no caso de não concessão da medida tendo em vista a aplicação do regime da tutela provisória de urgência, não sendo mais admitida a presunção de periculum in mora (art. 16, §§ 3º e 8º;
  • Existência de uma ordem preferencial de bens a sofrer constrição, sendo privilegiadas opções menos gravosas ao réu, como a indisponibilização de veículos de via terrestre, o que se opõe à redação anterior, na qual, em razão do silêncio da norma, privilegiava-se o bloqueio de contas bancárias que, atualmente, é a última medida (art. 16, § 11);
  • A vedação à decretação de indisponibilidade sobre o bem de família do réu, com exceção para o caso em que este tenha sido adquirido com a vantagem patrimonial indevida (art. 16, § 14);
  • Previsão de limites ao montante total a ser indisponibilizado, que deverá incidir apenas sobre o correspondente ao dano ao erário ou ao enriquecimento ilícito, vedada a inclusão da multa civil, como comumente era realizado (art. 16, § 10).

Como se vê, as mudanças quanto ao regime da indisponibilidade de bens na LIA carregam forte espírito de resguardo aos direitos fundamentais dos acusados, buscando a preservação da existência digna ao longo da tramitação da ação, sendo possível pleitear a imediata revogação da medida outrora decretada.


[1] NUNES, Dierle; CARVALHO, Mayara De. Código De Processo Civil Anotado. 1. ed., OAB/PR, 2016, p. 29.

[2] CPC, Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. 1. ed., Rio De Janeiro: Forense, 2022, p. 268-269.

[4] MATTOS, Mauro Roberto Gomes De. Aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021 (Lei de Improbidade Administrativa) e as ações distribuídas pela lei anterior (Lei n. 8.429/92) e demais normas de Direito Administrativo Sancionador. Zênite, 2021. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://zenite.blog.br/wp-content/uploads/2021/11/aplicacao-retroativa-da-lei-no-14230-2021-lei-de-improbidade-administrativa-mauro-roberto-gomes-de-mattos.pdf>.

[5] A natureza cautelar da medida de indisponibilidade de bens já havia sido reconhecida pelo STJ, conforme decisão proferida em 2009: “A natureza jurídica da indisponibilidade de bens prevista na Lei de Improbidade Administrativa é manifestamente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de eventual ressarcimento ao erário causado pelo ato de improbidade administrativa.” (STJ-1ª T., REsp 1.040.254/CE, rel. Min. Denise Arruda, j. 15/12/2009).

[6] DAL POZZO, Antônio Araldo Ferraz; DORNA, Mário Henrique de Barros. A indisponibilidade de bens na lei de improbidade administrativa reformada. In: DAL POZZO, Augusto Neves; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta (coord.). Lei de Improbidade Administrativa Reformada, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 448.

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